terça-feira, 23 de junho de 2009

Fogo

É época de festa, véspera de São João. Na rua pipocos estouram alto escancarando a felicidade alheia e reforçando meu fracasso.
A fumaça vai me envenenando aos poucos, me fazendo tossir todo o resto de empolgação enquanto ouço a voz irritada de minha mãe me falando de mais algo que não fiz. A apatia me amarga cada célula da garganta, como se eu regorgitasse minha propria bílis a cada segundo.
Quando estou quase atingindo o fundo de um poço depressivo, minha mente me prega peças. Começo a ouvir o miado de minha gata ao longe, bem ao longe, sufocada pelos estouros dos fogos. Decido seguir para a rua, pra ver onde ela está. Abro o portão num ranger caracteristíco do ferro corroído pela ferrugem e sigo pela rua escura, me guiando pelas iluminações da fogueira da rua adjacente no asfalto negro. A gata mia mais alto, ou talvez eu esteja mais perto.
Por algum motivo que não conheço, um medo em mim vai crescendo vertiginosamente, os olhos começam a embaçar e arder pela fumaça expessa. Olho pra cima e não consigo ver a lua, ou estrela alguma, as nuvens cinzentas iluminadas pelos postes da cidade tomam um sinistro ar alaranjado fosco e desnatural.
Ao virar a esquina meu medo dá lugar a um terror instantâneo, vejo ao longe o que identifico ser minha gatinha presa a cordas acima de uma fogueira grande, miando alto com medo das chamas que queriam se aproximar pra lamber-lhe as patas. Instintivamente corro para salvá-la, cato um caco de telha afiado no chão e começo a rasgar as cordas.
Não são cordas, são pedaços de fita isolante enroladas, cortam fácil, porém enquanto me debruço em direção a ela as chamas se aproximam de mim, esquentam. Começo a sentir a pele arder, formar bolhas no colo, pescoço e braços. Consigo soltá-la, ela foge assustada, mas eu não tenho a mesma sorte. Em caso de segundos me vejo cercada de labaredas na altura de meus olhos, se apoderando de meus cabelos e se desfazendo de minha pele tão rápido que nem posso sentir, a carne torra e começo a ver já pedaços de meus próprios ossos... é insuportável, eu desmaio.
Acordo completamente sufocada, com o cobertor enrolado em meu pescoço. Percebo o ar condicionado quebrado num calor de 43º e a gata miando pra que eu abra a porta... maldito sonho...

-> Inspirado nos sonhos malucos da Dilli.

Um comentário: